Gostaríamos de saber qual sua posição
em relação às questões da educação
em torno da Bienal. Por exemplo, sabemos que o tema da democratização
da arte é uma das bandeiras desta Bienal, cujo ingresso
será gratuito. Como você acha que ela pode contribuir
para a educação artística e estética
do público?
Em primeiro lugar a arte, o ato criativo, é o que há de
mais social e democrático que existe, independentemente do
ingresso da Bienal ser gratuito ou não. Do ponto de vista
conceitual e estético a comunicação entre a
obra de arte, sobretudo a obra de arte bem-sucedida, e o público, é um
ato de extrema democracia porque leva à construção
de mundos paralelos e situações utópicas. Não
tem nada mais político, nem mais democrático. Esta é a
primeira coisa que reside dentro da essência da arte.
Já a questão da entrada gratuita tem de ser avaliada
mais, digamos, do ponto de vista econômico. Certas camadas
da população, como a classe média e os estudantes,
não teriam acesso à Bienal de outra forma por causa
da falta de recursos. Famílias com vários filhos, por
exemplo, em que a visita representaria uma carga considerável
no orçamento. Sobretudo se essas pessoas quiserem visitar
a Bienal várias vezes, o que eu recomendo e acho que é necessário.
Ela é muito grande – uma das maiores mostras do mundo – e
tem muito material visual e plásico. Só os vídeos
consomem um dia inteiro de visita se você quiser aproveitar
todos eles.
Sabemos que o público da Bienal vem crescendo
a cada nova edição e que a maior parte deste público
vem das escolas, é formado por estudantes. Este é um
dado muito significativo. Alfons, se você fosse professor
de uma escola como prepararia seus alunos para uma visita à Bienal?
Eu espero que haja na escola uma preparação anterior à visita,
em aulas de história da arte ou de arte contemporânea.
Se existem, entre os alunos, artistas emergentes ou principiantes,
isso é uma coisa boa; eles podem expor algumas obras e discutir
sobre a questão da produção contemporânea,
sobre estética.
Já no nível universitário eu recomendo uma
abordagem através da literatura e da filosofia. A questão
da estética quem melhor explica é a filosofia. E a
questão da metáfora, que é fundamental na leitura
da obra contemporânea, quem melhor explica é a literatura.
Especialmente a literatura antiga – Dom Quixote, por exemplo, é um ótimo
referencial para a leitura de uma exposição de obras
contemporâneas.
Se os alunos forem muito jovens, já acho que uma abordagem
através do impacto visual e plástico seria melhor que
a filosofia. Mas também é muito difícil medir
o efeito que isto provoca numa pessoa. A experiência estética é basicamente
individual. Então, certas coisas nenhum professor vai poder
explicar. Ele também tem que ter cuidado ao interpretar uma
obra para os alunos. É uma entre várias interpretações
possíveis. Arte não é ciência, não é nenhum
evangelho. Ela tem várias verdades.
Quais questões, em relação à arte
contemporânea, você acha importante discutir na escola
após a visita dos alunos?
A primeira questão é: como o artista lida com os fenômenos
da realidade, de que forma ele leva a matéria-prima do mundo
real ao mundo da arte. Aí tem uma operação estética
que faz com que o resultado, ou seja, a obra, não seja uma
duplicação do mundo real, uma reportagem, mas um mundo
novo. Isto sempre vale a pena ser discutido porque é uma questão
filosófica. Por exemplo, o que um pedaço de madeira
velha, que os artistas brasileiros usam muito, pode significar? Pode
significar uma favela, mas esta seria uma leitura muito curta porque
a madeira pode também significar muitas outras coisas, inclusive
uma imagem abstrata, em função de sua textura, estrutura
e colorido.
Em relação à produção
contemporânea, podemos dizer que o artista apresenta a
realidade de uma nova maneira?
De uma maneira alegórica. A alegoria é sempre uma
metáfora, um símbolo. Uma coisa pode significar outra.
Quando Dom Quixote vê o barbeiro com uma bacia de lata e diz ‘essa
bacia de lata é um elmo dourado’ ele faz essa operação.
Projeta uma outra finalidade para um objeto banal. A mesma coisa
acontece na arte contemporânea. Qualquer pedaço de lixo,
uma madeira, um material pobre pode ganhar um novo significado. Este é um
assunto sobre o qual o professor deve chamar atenção – um
objeto, uma obra, pode ter vários significados. O desafio é tentar
interpretá-los.
A gente sabe, Alfons, que hoje o espaço da mediação
entre a arte e o público tem merecido cada vez mais destaque
nos museus e centros culturais. Não uma mediação
apenas informativa, mas formativa, que ajuda exatamente a apontar
para o público estas outras leituras mais densas. Em relação
a esta questão da mediação, como você vê no
papel do curador a dimensão educativa?
Eu fiz vários releases e dois textos para o catálogo,
onde dou minha interpretação pessoal e subjetiva da
mostra. Mas infelizmente compram-se poucos catálogos no Brasil...
Existem ainda textos sobre cada artista e a maioria deles não é escrito
por mim. Nas representações nacionais, cada país
tem um curador que escreve sobre seus artistas. Para os artistas
convidados são outros os autores.
E pela primeira vez na Bienal haverá texto de parede sobre
cada artista situando quem ele é, onde mora e o que é a
obra. Vai ter também audio-guide. Desta vez o volume
de informação aumentou em relação às
edições anteriores. Dentro do possível fizemos
tudo.
Mas no seu próprio trabalho, quando você discute
a concepção da exposição, escolhe
o tema, planeja o espaço e a distribuição
das obras, você vê nessa sua atuação
um caráter educativo também?
A priori não. O que rege a discussão do espaço
são critérios conceituais, estéticos e técnicos.
O técnico é muito importante, porque o ponto de partida é o
prédio, que vem sendo estudado por nós há três
anos. A dramaturgia da luz dentro dele, os seus vários níveis,
a linha de fuga do Niemeyer, os diversos pés direitos... isto
tudo determina a escolha da obra em um certo lugar. Por exemplo,
uma escultura grande só pode ficar no térreo porque
lá o pé direito tem oito metros. No segundo andar a
parte de trás é mais escura, então coloco lá os
vídeos. Na começo do segundo andar tem muita luz natural;
lá ficam as fotografias e pinturas. Acho que isto também
ajuda no processo educativo, mas sobretudo facilita a orientação
do público em geral. Tomamos muito cuidado desta vez em facilitar
a circulação, até porque haverá muitas
visitas. O fluxo de público está bem organizado desta
vez. As salas de vídeos serão amplas, com banquinhos
para sentar e carpete. Não sei se isto é educativo,
mas pelo menos facilita a vida de todo mundo.
Facilitando a circulação
e o acesso, facilita a leitura e redunda num espaço mais
adequado para a apreciação.
Isso acaba tendo um caráter educativo também ...
Mostra um certo padrão profissional e a função
da Bienal é também influenciar outros museus e espaços
culturais da cidade, mostrar como se apresenta arte contemporânea.
Não quero dizer que não haja erros nesta mostra; falhas
sempre existem. Mas desta vez a administração do espaço
foi bastante pensada e acho que está bem-sucedida.
Sua experiência com a Bienal passada contribuiu neste
processo?
É um processo de aprendizagem para todo mundo.
Bem, basicamente eram estas as questões. Nossa intenção
era ouvir suas opiniões para levar aos educadores a sua
visão, a preocupação da curadoria com a educação...
Em geral o público brasileiro
tem muita curiosidade. O percentual feminino é maior do que
o masculino – algo em torno
de 60% de mulheres. Quem carrega a Bienal, do ponto de vista da visitação, é a
mulher jovem. Este é um fenômeno da América Latina
em geral. Nos países espanhóis também; eu morei
na Venezuela e Colômbia e lá também era assim. Às
vezes a mulher leva o marido junto, ou namorado, mas é ela
quem tem mais interesse.
Então não é muito difícil cativar o
público
da Bienal. Há uma abertura de espírito e uma vontade
de ver coisas novas e aprender, o que é bastante positivo. [Voltar
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