Como
você se situa como artista?
Sou coreógrafa, bailarina
e performer. Na verdade, sou uma pessoa que atua ao vivo.[Voltar]
Você tem
uma formação clássica?
Tenho. Aos 18 anos
eu terminei minha formação clássica
e passei para a dança mais moderna ou contemporânea.
Você participou
do corpo de baile do Gulbenkian?
Sim. Situo-me numa zona
da dança experimental contemporânea.
Não sou mainstream.
Fale sobre seu trabalho
apresentado nessa Bienal.
É um trabalho pra mim muito
peculiar, muito fora do comum em todos os aspectos, espacialmente
e em termos de apresentação,
pelo fato de não ter um público que pode se concentrar
realmente só no que estou a fazer em função
da existência de elementos dispersivos. Isso é completamente
diferente do que eu costumo praticar...
... No teatro, no
palco...
... Exatamente. Também estou acostumada a
trabalhar o espaço
de outra forma.
Quais as relações entre seu
trabalho e o tema desta Bienal, Território Livre?
Olha,
eu sinto que o tema tem muito a ver com o que eu faço
ali. Aquela criatura que eu ponho ali tem muita liberdade... apesar
de estar constrangida pela cadeira, por aquela peça, na verdade
acho que ela está livre de muitos constrangimentos a que nós
estamos normalmente sujeitos. Ela está muito exposta, aberta
e disponível para as vibrações presentes ali.
Então, nesse sentido, acho que está num território
muito livre.[Voltar]
Quais procedimentos ou processos foram necessários
para a construção e concepção do seu
trabalho?
Uma parte do processo foi realmente comunicar-me
com o Rui Chafes e informarmos um ao outro nossas idéias.
Isso criou muitas possibilidades na minha cabeça. Na verdade,
para mim um grande método de trabalho é fazer associações
livres entre idéias... isso põe o imaginário
a funcionar, gera novas idéias não só para imagens
como também para processos de trabalho. Depois, parte do meu
trabalho também tem muito a ver com explorar materiais através
de minha própria interpretação, que eu filmo
e depois observo. Aproveito algumas partes, jogo fora outras. Trabalho
muito através da improvisação.
A filmadora
substitui o tradicional espelho do ballet?
Sim, exatamente.
Substitui o espelho, a escrita, a anotação,
a partitura...
A partitura da dança?
Há a partitura
da música, que se conhece melhor,
e há também a partitura da dança, que normalmente
mesmo os bailarinos e coreógrafos não costumam usá-la,
nem sabem escrever nela. Quase ninguém aprende essa escrita
na dança. Então o vídeo veio um pouco substituir
também essa escrita, porque ela é necessária,
e também a primeira coisa que disseste...
O espelho?
O espelho, exatamente.
É nesse processo que
você vai concebendo os
movimentos?
Exatamente.
Você se considera uma criadora
de movimentos, como uma coreógrafa?
Eu não
me considero muito uma criadora de movimentos. Considero-me mais
uma criadora de imagens em movimento, mais do que movimentos do corpo.
Quais
questões esse seu trabalho pode trazer para
ampliar a formação artística e a discussão
estética do público, principalmente o escolar, formado
por crianças e jovens?
Quase ninguém percebe
o fato de ter muita música
nessa peça que eu produzo com a voz.
Tem Handel no
repertório?
Sim, e tem também outros sons meio
improvisados; quer dizer, foram improvisados mas eu os aprendi. É uma
obra de artes plásticas que não só tem movimento,
que é o
que as pessoas normalmente percebem – o movimento que faço –,
mas também tem voz, tem som, tem música e pra mim acho
que o que pode ampliar qualquer coisa em termos estéticos
e artísticos é uma fusão de escultura com movimento
e com som, e a existência desse objeto é muito fora
do comum, não é? Portanto acho que o que pode ampliar
a formação artística mesmo é a quebra
de idéias disciplinares, como diz Alexandre Melo (curador
da obra). Talvez seja a coisa mais importante das pessoas lembrarem:
pode-se atravessar as fronteiras disciplinares e fazer cruzamentos,
misturas... isso é possível...
E conceber um
trabalho de arte, fazer arte...
Sim.
Os professores e monitores estabelecerão
um diálogo,
uma mediação, entre sua obra e o público.
Que questões você considera importantes para a leitura
do trabalho? Sobre o que você gostaria que eles falassem?
É super
importante esta pergunta.
Para mim é importante, em termos
de performance, ser uma criatura que está alientre o pensamento
e a intuição,
entre o consciente e o inconsciente, passando por estados de fruição
de pensamentos mais conscientes e estados mais inconscientes de pura
vibração, pura intuição... curto-circuito,
talvez essa seja uma idéia interessante. Talvez, também,
a minha performance atravesse o que chamo de várias estações:
tem a estação em que estou toda embrulhada a cantar
o Handel, tem a estação dos passarinhos, tem a estação
de rasgar... é como se atravessasse todo um ciclo de estações
que estão sempre entre a tal consciência e a tal inconsciência.[Voltar]
Entre?
É, para mim a melhor palavra é “entre”.
Uma
pergunta extra que também fiz para o Rui: por
que “Comer o coração”?
Comer
o coração é um título do Rui. Ele
escolheu bastante, eu não disse nada, mas não é um
título que me diz muito, na verdade. Porque o que eu sinto,
o que faço, é o oposto de comer o coração...
eu vomito o coração. Para mim comer o coração é engolir
os sentimentos, é ficar bloqueado. Sinto que dou uma resposta
em oposição ao título.[Voltar
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