Como você se
situa como artista? Com que linguagens trabalha?
Comecei
a expor com 28 anos de idade, há cerca de 12 anos.
Venho desenvolvendo ao longo desse tempo uma série de trabalhos
que podem ser estabelecidos dentro de uma certa tradição
da arte brasileira, que é a arte construtiva brasileira, da
qual eu sou herdeiro. Venho trabalhando ao longo desses anos buscando
uma certa distensão deste processo construtivo e estabelecendo
um certo diálogo com essa herança, mas sempre tentando
pensar nestes processos dentro do contexto em que a gente vive hoje,
dentro de condições das relações políticas,
sociais, econômicas e históricas que a gente se insere
hoje. Meu trabalho vem caminhando dentro desta discussão e
ao mesmo tempo ele vem transitando sobre vários suportes.
Trabalhei muitos anos basicamente com escultura, depois comecei a
lidar com questões mais espaciais, instalações
e hoje por conta do próprio conceito do trabalho estou me
voltando cada vez mais ao bidimensional. Mas não é uma
estratégia; pensando em termos de suporte, é só uma
adequação do meio ao conceito.
Você falou que é herdeiro
de uma tradição
da arte brasileira. Como é que você percebe a contemporaneidade,
essa atualização da arte brasileira dentro de seu trabalho?
Anos
atrás, quando trabalhava com escultura ou basicamente
instalação, estava preso à questão mais
escultórica. Eu fazia alguns jogos construtivos, mas sempre
tentando não reproduzir o passado, porque não tem muito
sentido só se carregar uma herança e mantê-la,
mas trazer um novo tipo de comentário a isso. Esse meu trabalho
de escultura basicamente buscava uma certa distensão desse
processo construtivo.
Seria uma herança da abstração e
do concreto?
Se focarmos essas duas vertentes da arte brasileira, vemos que a
partir da década de 70/80 houve uma reavaliação
desses processos e um esgarçamento de linguagens.
Exatamente.
Eu ainda estava jogando dentro deste meio de campo e de uns três
anos para cá comecei a desenvolver uma
série de esculturas que leva a noção de subtração.
O que passou pela minha cabeça, na verdade, refletindo um
pouco sobre essa herança, o que me incomodava muito e me incomoda é que
ela ainda existe, é viva e tem um sentido, mas havia um descompasso
com relação ao tempo histórico, porque eu estava
trabalhando com esta herança desde quando ela surgiu só que
em outras condições sociais, econômicas, históricas,
dentro de outra realidade. Esse descompasso me fez parar um pouco
o que estava fazendo e iniciar uma inversão deste processo
de construção. Enquanto estava buscando uma distensão
nesse processo construtivo, a impressão que eu tinha é que
estava lidando apenas com aspectos conjunturais: a estrutura continuava
lá, eu apenas a distendia, não estava balançando-a...
e passei para um caminho de tentar investigar qual era essa estrutura
e tentar realmente criar um abalo nela. Daí veio a noção
de subtração, uma inversão do processo construtivo
onde você constrói subtraindo. Há uma relação,
na verdade, dessa subtração com o discurso interno
da arte. Este caminha em duas direções: a do discurso
da arte-pela-arte e a do comentário mais político.
Não estou só falando de política e nem só falando
de arte; comento sobre o sistema interno da arte e, por tabela, os
outros sistemas que existem no mundo.
Quanto ao seu trabalho apresentado
na Bienal: você fala que
voltou para o bidimensional e sua obra está dentro destas
características.
Este trabalho não foi criado
especialmente para a Bienal. Ele é um site specific que
está dialogando
diretamente com o prédio. Ao vê-lo, pode-se achar que
ele foi pensado e construído especialmente para Bienal. Bem,
em termos, porque na verdade já venho trabalhando há mais
de um ano a construção, com subtração,
de marcos da arquitetura modernista brasileira. Você pode ver
a FAU na paralela (Paulo refere-se a seu trabalho, baseado no
prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que
está na mostra das galerias de arte de São Paulo, paralela à Bienal),
eu fiz o Copan, tem vários outros prédios que eu andei
construindo através de subtração. E o prédio
da Bienal é um grande ícone da arquitetura modernista
brasileira, então não é que fiz a Bienal porque
estaria expondo esse trabalho aqui... lógico que também,
mas ao mesmo tempo ele está totalmente inserido dentro da
linguagem que venho desenvolvendo, que é essa construção
com subtrações desses ícones da arquitetura
modernista brasileira.
Sua formação é de
artista plástico
ou de arquiteto?
Sou formado em História. Na verdade
eu trabalho com arte desde que me conheço por gente. Quando
chegou na minha época
de optar por alguma faculdade eu já tinha muitos amigos artistas,
mais velhos, que estavam cursando Artes Plásticas. Mas não
tinha interesse de fazer esse curso; não achava que ele era
bom. Você ficava lá, lixando placa de cobre para fazer
gravura, uma coisa totalmente técnica e eu não tinha
o menor interesse nisso. Hoje as escolas estão mais preparadas.
Eu queria buscar uma formação mais humanista, mais
geral, e aí fui para o curso de História, que achei
que iria me dar um embasamento maior. Mas eu nunca fiz curso de desenho;
sou totalmente auto-didata.
Gostaria que você comentasse sobre
o processo de construção
de sua obra. Como você chegou nestas equações,
nessas linhas?
Eu vim há alguns meses aqui no pavilhão
da Bienal quando ele estava vazio e tirei uma foto da vista
do pavilhão
a partir da minha parede. Eu ‘escaneei’ a imagem
e joguei-a no computador; ela foi trabalhada num sistema de
arquitetura chamado
AutoCad,
que transformou a foto num desenho. Depois a gente ‘plotou’ a
imagem em rolos de papel sulfite, no tamanho e na dimensão
da parede. A partir daí nós passamos o desenho
para a parede e aí viemos ‘subtraindo’ em
cima. E a idéia é que ele é todo construído
por subtração, mas tem uma lógica: cada
linha do desenho, onde ela começa e onde termina, está ligada
a um número aleatório, que vai sendo subtraído,
e a linha termina em zero.
Mas foi no sistema do Auto Cad
que você chegou nessa
subtração?
Não, na verdade a idéia
da subtração
não advém de nenhum procedimento técnico, nenhum
procedimento de feitura. Ela é puramente conceitual. É a
proposta do trabalho, tanto que tive de adaptá-lo para esse
conceito. Antes eu não trabalhava com a questão figurativa;
meu trabalho era completamente conceitual, abstrato e escultórico.
De repente estou ficando cada vez mais figurativo, cada vez mais
representando o mundo.
Mas quando a gente chega perto da obra
também acontece
uma dissolução dessa representação.
Exatamente, é isso
mesmo. Mas a brincadeira de você ser
cada vez mais realista, figurativo, é exatamente assim, porque
eu estou invertendo esta realidade. Estou construindo por um processo
inverso, o de subtração. É um real invertido,
um outro real. Daí vem a proposta de você mostrar que é possível
você construir o mundo por subtração. Porque
há duas ordens; a primeira é essa ordem interna da
arte. Você tem uma inversão do processo de construção,
então uma obra de arte opera por somas: é uma soma
de materiais, de ações sobre o material, de pensamentos
sobre esse material. E aí a brincadeira é você construir
subtraindo. É puramente conceitual; eu estou somando, estou
colocando tinta na parede, estou ocupando espaços, mas tem
um desvio ali que você vê que é uma subtração. É uma
brincadeira. Quando mais eu tiro, mais eu construo.
Você coloca
a questão do desenho em seu trabalho
com características peculiares, dando consistência,
ampliando idéias dentro do desenho. É interessante
mostrar, especialmente a educadores, que o desenho não é apenas
um traço sobre uma superfície.
Com certeza.
Esse trabalho denota que há uma outra possibilidade
dentro desse desenho. Você o subverte e, ao mesmo tempo, como
a coisa é construída com o mínimo de recursos,
também estou usando a linguagem mais básica da arte,
que é o desenho. A mais básica, a mais esquemática,
a mais essencial. Então também é uma redução,
de você trabalhar com o essencial mesmo, um traço na
parede. Simples.
Quais os pontos de discussão sobre
o seu trabalho que você realçaria para os professores?
Acho
que minha obra aponta para esse pensamento sobre as possibilidades
de construção de uma obra de arte. Ela aponta para
uma outra possibilidade de se construir, invertendo esse processo
de construção. Como é que você constrói
subtraindo; como desenhar tirando? E por outro lado há o que
eu já falei sobre o discurso interno da própria arte.
O trabalho tenta subverter e inverter esse discurso. Existe também
uma questão mais ampla, mais política, que é o
diálogo que ele estabelece com o mundo. Quando pensei na subtração
também pensei que esse é um discurso político,
uma tentativa de você inverter uma certa noção
economicista e fatalista que está tomando conta do mundo hoje,
através desse processo neoliberal globalizante do capitalismo
internacional. Hoje em dia o mundo está regido basicamente
pelo sistema econômico, as relações são
econômicas. Todas as outras relações, inclusive
políticas, estão quase falindo em função
de uma única diretriz econômica, a economia financeira
que está se estendendo pelo mundo a ponto de estar apagando
as expressões ideológicas. Ainda existem algumas válvulas
de escape, mas é lógico que há esse pensamento
dominante capitalista, que está operando somente pelo viés
econômico e está entendendo que a gente só tem
que pensar as nossas relações de vida, sociais, políticas,
através da economia. Tanto que existe toda uma pressão
econômica.
Na eleição do Lula havia um discurso
financeiro internacional que se a gente votasse num presidente de
esquerda estaríamos
perdidos, porque as relações econômicas dominam
e o Brasil iria afundar. Quer dizer, não existe nem aspiração
de ter um presidente de esquerda, um presidente com uma preocupação
social, porque o importante, o que rege o mundo, é a economia.
Então existe um discurso político e existe uma tentativa
de inverter e de dar uma guinada na estrutura desse pensamento.
Eu
entendo que os sistemas que regulam o mundo, o sistema político
e o econômico, são regidos pela soma. O sistema econômico é uma
soma de bens e patrimônios, valores e tudo mais. De acumulação.
E a base do sistema capitalista é a soma. E isso acontece
com outros sistemas também; o sistema que legitima conceitualmente
tudo isso é o sistema da história. Que também é linear,
que opera pela soma de fatos, realidades, acontecimentos. Só que,
se você atentar, essa soma é reduzida. Existem milhares
de fatos esquecidos, histórias não contadas, vivências
não registradas, então o sistema da história é uma ínfima
soma para uma enorme subtração.
Você pega o sistema
da arte, a história da arte, e é a
mesma estrutura do sistema da história. É sistema
de dominação. A gente que está no Brasil
trabalhando com arte não pode ter a ilusão que
estamos entrando na corrente da história da arte. Não,
porque nós
somos excluídos, subtraídos. É preciso
estar atento a essa enorme subtração. No sistema
econômico é assim
também: são poucos que somam frente a uma enorme
subtração.[Voltar]
Por
que, dentro desse processo todo, você escolheu
a arquitetura moderna como um ícone de representação?
Quando
forjei essa idéia: ‘não precisamos pensar
pela soma, podemos pensar pela subtração’, aí meu
trabalho começou a ficar figurativo, porque me interessava
representar o mundo construído por subtração
e mostrar que ele poderia ser pensado e construído por outra
forma. Então comecei a construir uma representação
real do mundo, só que construí subtraindo. Comecei
a trabalhar com paisagens, lugares do mundo. E na verdade a arquitetura é um
lugar do homem no mundo, mas aí fiz um recorte da arquitetura
modernista brasileira porque me interessa discutir o processo construtivo.
E um período da arquitetura modernista brasileira, nos anos
50 e 60, quando ainda havia aquela idéia de que este seria
o país do futuro, foi quando surgiu fortemente um pensamento
construtivo. Mas esse não é mais o momento histórico
que a gente vive hoje. Você tinha Brasília, uma nova
arquitetura. Você tinha todo um projeto desenvolvimentista
no Brasil e uma crença ingênua que estávamos
inseridos no jogo do capitalismo internacional. E que a gente iria
alcançar um lugar dentro desse jogo. Não temos lugar
nesse jogo, por mais que a gente trabalhe. Então esse projeto
faliu, mas essa arquitetura é maravilhosa...
A arquitetura
moderna também vem da subtração
do ornamento, da estrutura aparente...
Claro, há um
processo de redução também,
mas eu comecei a brincar com essa arquitetura justamente para
inverter o processo construtivo. Porque lidar com arquitetura
construtiva é quase
que lidar com arte construtiva. A arquitetura tem um diálogo
tão grande com a arte construtiva que busquei uma forma
de lidar com as duas ao mesmo tempo.[Voltar
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