Seu trabalho dialoga
tanto com a arquitetura e com a estrutura que causa um certo
impacto. Q uais são as questões
deste trabalho?
Ele é um processo de acumulação, muito comum em
arte. O que significa esta acumulação? Na verdade os artistas que
usam e usaram este processo buscam nele o aspecto de transformação.
No momento em que tu pegas um pedaço de madeira e o olha, aquilo tem um
peso, um significado. Quando tu acumulas milhões de pedaços de
madeira, essa matéria única já passa a ter um outro significado.
Eu acho que na acumulação vive-se e trabalha-se muito este aspecto
do fortalecimento e da transformação daquelas pequenas partes que
compõem o todo... da re-significação da pequena parte, ou
seja, a célula madeira ou a célula tronco vira um outro corpo,
e o que é importante é exatamente este outro corpo. Independentemente
da memória que me leva a trabalhar com isto. Eu, na minha infância
e juventude, vivi estas acumulações nos depósitos de madeira
de casa, que eram para o fogo, o fogão, a lareira. Eu sou do Sul. Então
a memória destas faces é um pouco aqui ligada à minha realidade, à minha
infância. [Voltar]
Você tem
uma metodologia de concepção
da instalação,
ou da escultura? Como começa
o seu processo de criação?
Esse é um
elemento que eu chamaria de mágico. Nunca
fiz um trabalho assim antes, com este método de empilhamento.
Ele surgiu a partir de outros trabalhos que tenho feito com madeira,
como este da Bienal do Mercosul, que se estruturava de uma maneira
totalmente diferente. O contato com este tipo de material suscita
outras imagens, que vêm enriquecer o processo criativo. É um
método muito natural. Podemos fazer uma correspondência
entre ele e o processo didático, do professor com seu aluno; é exatamente
a mesma coisa. Por exemplo, eu falo a palavra ódio e naturalmente
isso suscita em mim tudo aquilo que é emocional, que vem enriquecer
ou contrariar aquele sentido: ódio, amor, afeto. No processo
criativo acontece o mesmo. Tenho um toco de madeira; ele me leva
a pensar que posso cortá-lo, seccioná-lo, usá-lo
das maneiras mais variadas. É como cozinhar: na panela acrescento
elementos que naturalmente vão mudando não só o
sabor, mas a estrutura química dos ingredientes.
O
projeto sofreu modificações durante
a montagem? Em função dos apoios, das junções
que foram criadas, etc?
Na verdade eu trabalho com
imagens muito precisas. O projeto de engenharia não é meu.
Foi feito por um engenheiro. Apresentei-lhe um projeto básico
e ele elaborou a sustentação
disso. Toda a responsabilidade pela sustentação é dele.
Se cair esse negócio aí... (risos)
Tenho aqui
os desenhos, posso mostrá-los. Inicialmente não
previa as curvas, embora elas estivessem implícitas. Mas eu
ainda não sabia como seriam. Isto (mostra um primeiro
desenho) já é posterior; aqui desenhei as curvas
e as várias camadas. Este (mostra outro) é um
desenho que o próprio engenheiro fez a partir do meu desenho.
Isso acabou mudando porque quando eu cheguei aqui, uma semana depois
de já começada a montagem, o engenheiro tinha encostado
o trabalho naquela coluna e não podia. Esta já é a
minha sétima Bienal; se fosse para o trabalho encostar-se à coluna
eu a teria incluído no projeto. A gente desmanchou uma coisa
que já estava com quase um metro de altura. Com isso algumas
curvas do trabalho ficaram mais radicais. Eu sabia que ele teria
curvas, mas seriam muito mais leves.
Quando penso num trabalho minha
imaginação é bastante
clara; penso na obra com as suas medidas. Embora eu não vá lá medir.
Eu trabalho há 35 anos, então vai-se adquirindo a noção.
Considerando
sua formação de escultor,
você já tem uma visão tridimensional.
Porque
eu exercitei. As pessoas falam muito em técnica, mas
ela só tem função quando você precisa
usá-la. Quando a questão se coloca, tu chamas alguém
que vai resolver. Nem sempre um artista jovem tem esta possibilidade,
mas eu tenho. Eu contrato um engenheiro que faz o projeto pra mim.
Agora
a minha questão em termos dessa grandiosidade dos trabalhos.
Já participei de várias exposições,
fiz muitos trabalhos grandes, mas vendo esta realidade aqui
da Bienal eu me pergunto: afinal, para que serve esta monumentalidade?
Ela acrescenta alguma coisa? Ou na verdade ela é só uma
adequação um pouco publicitária, como
faz o costureiro que cria aquela peça maravilhosa, aquela
roupa que ninguém vai usar, só para chamar a
atenção
sobre a sua atuação, sobre o seu trabalho...
o que a gente vê aqui é uma loucura. A minha loucura é mais
primitiva porque é um processo mais físico. Mas
aquilo lá (apontando para outro trabalho, em montagem) é como
se tivessem usado um lego adaptado para criar a estrutura.
Quer dizer, a tecnologia envolvida ali, como eles são
do primeiro mundo, é impressionante. O que eles trouxeram
de instrumental... aí eu me pergunto: pra que? Por que?
O que, na verdade, a monumentalidade acrescenta a uma linguagem?
Ou é só sacanagem
para o público, quando chegar, olhar e dizer: como é grande![Voltar]
Também
tem o outro lado, que a própria
obra determina seu tamanho, sua estrutura, sua estatura...
É,
mas para que trabalhar com a grandiosidade? E o que isso acrescenta? É claro
que eu trabalho com este aspecto da monumentalidade e de seu
impacto social, sobre o público. É legal a
gente poder reverter um pouco a idéia preconceituosa que as
pessoas têm sobre arte.
Você pensou este trabalho
para este espaço?
Para dialogar com o tema da Bienal?
Pensei no espaço
sim, no tema não. As temáticas
da Bienal sempre são uma tentativa do curador a fim de costurar
um pensamento. Não sou um curado; eu fui convidado por Nelson
Aguilar. Então dizem que eu sou o artista brasileiro. É uma
mera formalidade.
Ivens, você sabe que vão
acontecer visitas com educadores e estudantes e eles vão levantar
questões
sobre seu trabalho. Que questões seriam interessantes
para se discutir a partir da sua obra?
As questões
implícitas. Uma criança, um jovem,
um universitário, vem para ver uma exposição
de arte. Então ele vem “afunilado”, não é?
Toda a sua sensibilidade se prepara para isso. Uma função
da Bienal é reverter expectativas, ou seja, mostrar
algo diferente de uma série de estátuas, do esperado.
Isto remete, na verdade, a um movimento que neste início
de século
aconteceu em todos os processos artísticos. Quando Duchamp
trouxe o urinol e o reverteu, chamou-o de fonte e
assinou aquilo como uma obra de arte, ele na verdade disse
que a arte é um
pensamento que se remete à vida. É um saco esse
negócio
de artes plásticas! Que o cara cita o outro, que cita
aqui, cita ali. Talvez a única função
positiva disso tudo aqui é fazer com que as pessoas
passem a observar o mundo lá fora com uma abertura maior.
O cartaz, ou a grande publicidade que se vê na estrada,
também pode ser visto aqui. Eu
acho que hoje em dia a arte se coloca muito mais dentro da
realidade.[Voltar]
Nós
sabemos que hoje há muitas misturas
de linguagens. Mas isto aqui: é uma instalação? É uma
escultura? Como você define sua obra?
Sou
considerado um dos artistas que denominou, pela primeira vez
no Brasil, um trabalho próprio como instalação.
Era uma coisa que na época não existia. Isto foi em
1973. Está na coleção Chateaubriand. Agora,
eu não sei se esta aqui é uma instalação
ou escultura. Na verdade uma escultura clássica, aquilo que é considerado
escultura, é feita a partir de um mesmo bloco. Essa é a
visão clássica. Um negócio cheio de pedaços
como este não é a mesma coisa.
Agora tudo mudou, mas
não mudou tanto não. Toda esta
aparente vanguarda às vezes tem processos extremamente acadêmicos.
Não quer dizer, na verdade, que seja revolucionária.
Seu
raciocínio é muito organizado. Você já deu
aula?
Vivi grande parte da minha vida como professor.
Trabalhei muitos anos com crianças e jovens. A minha formação
começou quando eu vim para o Rio de Janeiro para fazer um
curso na Escolinha de Arte do Brasil. Aí passei a trabalhar
com arte-educação. Tive uma experiência anterior
lá em Florianópolis, mas considero que comecei aí.
Fiz também gravura na Escolinha com professores incríveis,
em 1964. Sou do tempo de Augusto Rodrigues, Noemia
Varela. Eu consegui,
através de muitos questionamentos, fugir de certos padrões.
Trabalhei anos em escolas de vanguarda tipo Pueri Domus, dando aulas
de artes.
Você deu aulas durante quanto tempo?
Olha,
eu iniciei em 1964, depois tive uma escolinha de arte no Rio
de Janeiro associada a outras pessoas e trabalhei muito. Cansei,
digamos assim, em 1975, depois comecei a trabalhar com formação
de professores dando aulas. Ao todo foram uns vinte anos de atuação
como professor. Na minha visão, hoje em dia, todo o sistema
de arte-educação é muito crítico.
Eu vejo isso como um disfarce para todo o sistema educacional,
que é extremamente
repressivo, e acho que a arte está implícita em
todas as áreas. Acho uma sacanagem, por exemplo, ter aula
de arte numa escola onde o lugar da criatividade é só naquele
cantinho. A escola como um todo é um sistema impossível
de transformar, é controlador. E aí entra este
campo de arte na escola, onde os professores, as próprias
pessoas da área não sabem muito, não têm
um senso crítico e acham que estão fazendo um bom
trabalho. Na verdade eles estão mancomunados com todo
o sistema repressivo. É muito
triste e não se pode fugir disto. Inclusive a gente tem
que pensar: ‘Eu é que sou um elemento repressor.
Não
tem desculpas, sei perfeitamente como é que dentro do
meu sistema eu reprimo. Meu processo é assim’. Mas
acho que isso faz parte, na verdade, de um processo evolutivo,
como acontece também
na psicanálise e na psicologia. [Voltar
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