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26ª Bienal
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Site da Fundação Bienal de São Paulo
  IVENS MACHADO
Biografia
Sobre a obra
Sobre o artista
Leitura do artista
 
   


Seu trabalho dialoga tanto com a arquitetura e com a estrutura que causa um certo impacto. Q uais são as questões deste trabalho?

Ele é um processo de acumulação, muito comum em arte. O que significa esta acumulação? Na verdade os artistas que usam e usaram este processo buscam nele o aspecto de transformação. No momento em que tu pegas um pedaço de madeira e o olha, aquilo tem um peso, um significado. Quando tu acumulas milhões de pedaços de madeira, essa matéria única já passa a ter um outro significado.
Eu acho que na acumulação vive-se e trabalha-se muito este aspecto do fortalecimento e da transformação daquelas pequenas partes que compõem o todo... da re-significação da pequena parte, ou seja, a célula madeira ou a célula tronco vira um outro corpo, e o que é importante é exatamente este outro corpo. Independentemente da memória que me leva a trabalhar com isto. Eu, na minha infância e juventude, vivi estas acumulações nos depósitos de madeira de casa, que eram para o fogo, o fogão, a lareira. Eu sou do Sul. Então a memória destas faces é um pouco aqui ligada à minha realidade, à minha infância. [Voltar]

Você tem uma metodologia de concepção da instalação, ou da escultura? Como começa o seu processo de criação?

Esse é um elemento que eu chamaria de mágico. Nunca fiz um trabalho assim antes, com este método de empilhamento. Ele surgiu a partir de outros trabalhos que tenho feito com madeira, como este da Bienal do Mercosul, que se estruturava de uma maneira totalmente diferente. O contato com este tipo de material suscita outras imagens, que vêm enriquecer o processo criativo. É um método muito natural. Podemos fazer uma correspondência entre ele e o processo didático, do professor com seu aluno; é exatamente a mesma coisa. Por exemplo, eu falo a palavra ódio e naturalmente isso suscita em mim tudo aquilo que é emocional, que vem enriquecer ou contrariar aquele sentido: ódio, amor, afeto. No processo criativo acontece o mesmo. Tenho um toco de madeira; ele me leva a pensar que posso cortá-lo, seccioná-lo, usá-lo das maneiras mais variadas. É como cozinhar: na panela acrescento elementos que naturalmente vão mudando não só o sabor, mas a estrutura química dos ingredientes.

O projeto sofreu modificações durante a montagem? Em função dos apoios, das junções que foram criadas, etc?

Na verdade eu trabalho com imagens muito precisas. O projeto de engenharia não é meu. Foi feito por um engenheiro. Apresentei-lhe um projeto básico e ele elaborou a sustentação disso. Toda a responsabilidade pela sustentação é dele. Se cair esse negócio aí... (risos)
Tenho aqui os desenhos, posso mostrá-los. Inicialmente não previa as curvas, embora elas estivessem implícitas. Mas eu ainda não sabia como seriam. Isto (mostra um primeiro desenho) já é posterior; aqui desenhei as curvas e as várias camadas. Este (mostra outro) é um desenho que o próprio engenheiro fez a partir do meu desenho. Isso acabou mudando porque quando eu cheguei aqui, uma semana depois de já começada a montagem, o engenheiro tinha encostado o trabalho naquela coluna e não podia. Esta já é a minha sétima Bienal; se fosse para o trabalho encostar-se à coluna eu a teria incluído no projeto. A gente desmanchou uma coisa que já estava com quase um metro de altura. Com isso algumas curvas do trabalho ficaram mais radicais. Eu sabia que ele teria curvas, mas seriam muito mais leves.
Quando penso num trabalho minha imaginação é bastante clara; penso na obra com as suas medidas. Embora eu não vá lá medir. Eu trabalho há 35 anos, então vai-se adquirindo a noção.

Considerando sua formação de escultor, você já tem uma visão tridimensional.

Porque eu exercitei. As pessoas falam muito em técnica, mas ela só tem função quando você precisa usá-la. Quando a questão se coloca, tu chamas alguém que vai resolver. Nem sempre um artista jovem tem esta possibilidade, mas eu tenho. Eu contrato um engenheiro que faz o projeto pra mim.
Agora a minha questão em termos dessa grandiosidade dos trabalhos. Já participei de várias exposições, fiz muitos trabalhos grandes, mas vendo esta realidade aqui da Bienal eu me pergunto: afinal, para que serve esta monumentalidade? Ela acrescenta alguma coisa? Ou na verdade ela é só uma adequação um pouco publicitária, como faz o costureiro que cria aquela peça maravilhosa, aquela roupa que ninguém vai usar, só para chamar a atenção sobre a sua atuação, sobre o seu trabalho... o que a gente vê aqui é uma loucura. A minha loucura é mais primitiva porque é um processo mais físico. Mas aquilo lá (apontando para outro trabalho, em montagem) é como se tivessem usado um lego adaptado para criar a estrutura. Quer dizer, a tecnologia envolvida ali, como eles são do primeiro mundo, é impressionante. O que eles trouxeram de instrumental... aí eu me pergunto: pra que? Por que? O que, na verdade, a monumentalidade acrescenta a uma linguagem? Ou é só sacanagem para o público, quando chegar, olhar e dizer: como é grande![Voltar]

Também tem o outro lado, que a própria obra determina seu tamanho, sua estrutura, sua estatura...

É, mas para que trabalhar com a grandiosidade? E o que isso acrescenta? É claro que eu trabalho com este aspecto da monumentalidade e de seu impacto social, sobre o público. É legal a gente poder reverter um pouco a idéia preconceituosa que as pessoas têm sobre arte.

Você pensou este trabalho para este espaço? Para dialogar com o tema da Bienal?

Pensei no espaço sim, no tema não. As temáticas da Bienal sempre são uma tentativa do curador a fim de costurar um pensamento. Não sou um curado; eu fui convidado por Nelson Aguilar. Então dizem que eu sou o artista brasileiro. É uma mera formalidade.

Ivens, você sabe que vão acontecer visitas com educadores e estudantes e eles vão levantar questões sobre seu trabalho. Que questões seriam interessantes para se discutir a partir da sua obra?

As questões implícitas. Uma criança, um jovem, um universitário, vem para ver uma exposição de arte. Então ele vem “afunilado”, não é? Toda a sua sensibilidade se prepara para isso. Uma função da Bienal é reverter expectativas, ou seja, mostrar algo diferente de uma série de estátuas, do esperado. Isto remete, na verdade, a um movimento que neste início de século aconteceu em todos os processos artísticos. Quando Duchamp trouxe o urinol e o reverteu, chamou-o de fonte e assinou aquilo como uma obra de arte, ele na verdade disse que a arte é um pensamento que se remete à vida. É um saco esse negócio de artes plásticas! Que o cara cita o outro, que cita aqui, cita ali. Talvez a única função positiva disso tudo aqui é fazer com que as pessoas passem a observar o mundo lá fora com uma abertura maior. O cartaz, ou a grande publicidade que se vê na estrada, também pode ser visto aqui. Eu acho que hoje em dia a arte se coloca muito mais dentro da realidade.[Voltar]

Nós sabemos que hoje há muitas misturas de linguagens. Mas isto aqui: é uma instalação? É uma escultura? Como você define sua obra?

Sou considerado um dos artistas que denominou, pela primeira vez no Brasil, um trabalho próprio como instalação. Era uma coisa que na época não existia. Isto foi em 1973. Está na coleção Chateaubriand. Agora, eu não sei se esta aqui é uma instalação ou escultura. Na verdade uma escultura clássica, aquilo que é considerado escultura, é feita a partir de um mesmo bloco. Essa é a visão clássica. Um negócio cheio de pedaços como este não é a mesma coisa.
Agora tudo mudou, mas não mudou tanto não. Toda esta aparente vanguarda às vezes tem processos extremamente acadêmicos. Não quer dizer, na verdade, que seja revolucionária.

Seu raciocínio é muito organizado. Você já deu aula?

Vivi grande parte da minha vida como professor. Trabalhei muitos anos com crianças e jovens. A minha formação começou quando eu vim para o Rio de Janeiro para fazer um curso na Escolinha de Arte do Brasil. Aí passei a trabalhar com arte-educação. Tive uma experiência anterior lá em Florianópolis, mas considero que comecei aí. Fiz também gravura na Escolinha com professores incríveis, em 1964. Sou do tempo de Augusto Rodrigues, Noemia Varela. Eu consegui, através de muitos questionamentos, fugir de certos padrões. Trabalhei anos em escolas de vanguarda tipo Pueri Domus, dando aulas de artes.

Você deu aulas durante quanto tempo?

Olha, eu iniciei em 1964, depois tive uma escolinha de arte no Rio de Janeiro associada a outras pessoas e trabalhei muito. Cansei, digamos assim, em 1975, depois comecei a trabalhar com formação de professores dando aulas. Ao todo foram uns vinte anos de atuação como professor. Na minha visão, hoje em dia, todo o sistema de arte-educação é muito crítico. Eu vejo isso como um disfarce para todo o sistema educacional, que é extremamente repressivo, e acho que a arte está implícita em todas as áreas. Acho uma sacanagem, por exemplo, ter aula de arte numa escola onde o lugar da criatividade é só naquele cantinho. A escola como um todo é um sistema impossível de transformar, é controlador. E aí entra este campo de arte na escola, onde os professores, as próprias pessoas da área não sabem muito, não têm um senso crítico e acham que estão fazendo um bom trabalho. Na verdade eles estão mancomunados com todo o sistema repressivo. É muito triste e não se pode fugir disto. Inclusive a gente tem que pensar: ‘Eu é que sou um elemento repressor. Não tem desculpas, sei perfeitamente como é que dentro do meu sistema eu reprimo. Meu processo é assim’. Mas acho que isso faz parte, na verdade, de um processo evolutivo, como acontece também na psicanálise e na psicologia. [Voltar ao início] [Versão para impressão]

     
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