Fale sobre sua
carreira, sua formação...
Eu nasci em 1955 na
China socialista e cresci em Pequim. Moro em Nova Iorque desde 1990.
Minha
geração de artistas da China tem uma experiência
de vida e de trabalho muito especial. A China é um país
muito tradicional. A minha geração iniciou seus estudos
durante o período da revolução cultural socialista.
A tradição nacional ficou parada por Mao
Tse-Tung.
Podemos então dizer que minha geração teve uma
referência cultural complicada. Nós temos dez anos de
educação socialista, certo? E também dez anos
de revolução e mais dez anos de pós-revolução,
quando veio a quebra da cultura e as portas da China foram abertas
verdadeiramente, o que permitiu a entrada da cultura ocidental.
Depois
disso eu me mudei para a América e me envolvi no
movimento de arte contemporânea ocidental. Com isso, foram
diferentes camadas de cultura que influenciaram o meu trabalho.
E
também meu trabalho é muito inserido na questão
da língua. Veja, nessa peça eu uso muitas linguagens.[Voltar]
Linguagens
diferentes, para trabalhos diferentes.
Eu sou interessado
em línguas por causa do meu próprio
contexto. Meus pais trabalham; minha mãe trabalha numa biblioteca.
Quando eu era criança eles eram muito ocupados e, por isso,
sempre me levavam ao escritório. Às vezes eles tinham
reuniões no trabalho e me trancavam na biblioteca. Dessa maneira,
ainda pequeno eu estava acostumado com livros, textos e letras. Ao
mesmo tempo eu era tão novo que não podia lê-los.
Mas
já estava acostumado com a imagem da escrita.
Isso.
E foi assim que eu aprendi a ler... mas era a época
que ninguém podia ler livros, apenas os de Mao. A nação
inteira só lia aquele livrinho vermelho. Imagine o quão
estranho era. Naquela época o governo me mandou para uma cidade
do interior, onde eu aprendi bastante com os agricultores e sobre
agricultura. Então, após este período, com as
portas do país abertas, eu voltei para a cidade e muitos livros
começaram a aparecer.
Muita informação.
Isso, muita informação,
muitas atividades no país,
literatura. Naquela época eu realmente li bastante. Foi quando
eu comecei a me envolver com atividades nacionais, porque com as
leituras eu passei a ficar incomodado... eu sentia raiva. Naquela época
eu pensei muito no país, nas atividades dele, na língua,
nesse tipo de assunto.
Eu vi um documentário sobre
a arte chinesa contemporânea,
que tem para mim uma situação muito similar à do
Brasil, porque muitos jovens artistas possuem problemas para exibir
seus trabalhos. E procuram por diferentes maneiras informais de
exibição, usam casas e criam grupos para fazer isso.
E há muita crítica política e econômica
em seus trabalhos.
Na China, que eu saiba, há dois
grupos: um que vive lá e
outro que vive fora do país. Porém nós temos
um contexto cultural semelhante. Os artistas que vivem fora, vivem
entre duas culturas: a americana e a forte cultura chinesa. Dessa
maneira, procuramos questionar sobre assuntos que coexistem nas duas
culturas.
Eu mesmo procuro estudar as línguas, os erros e os
mal-entendidos. Eu faço muitos trabalhos sobre esse assunto.
E também
olho para a tradição chinesa, que tem uma grande influência
nas minhas obras.
Quando você vive na China, nunca está sensível
para perceber a própria cultura. Mas quando você muda
para outro país... você fica mais absorto e sensível
ao seu contexto.
Eu acho que atualmente o importante para nós,
artistas chineses, é como
usar a nossa própria cultura, especialmente dentro da arte
contemporânea.
Tem crescido há cinco anos o interesse
pela arte chinesa contemporânea. Veja por exemplo a Bienal
de Veneza. O que você acha desse movimento?
Creio
que a arte chinesa contemporânea está em voga
atualmente por vários motivos. Ela tem uma história
curta. Começou muito tarde, mas está crescendo, desenvolvendo-se
muito rapidamente.
O primeiro motivo, eu acho, é o país. É o
desenvolvimento chinês.
O país está ficando rico,
vem tendo atenção
internacional. As pessoas querem realmente saber o que é hype na
China nos dias de hoje. E a arte contemporânea consegue mostrar
isso de maneira sensível.
As pessoas querem saber o que os
jovens chineses pensam, quais são suas idéias. Eles
querem ir atrás das artes.
E também.... a outra razão... minha geração
não tinha boas e formais informações sobre a
arte contemporânea quando começou os estudos na área.
E agora tem. Eu acho que isso é bom.
Existem questões
sobre formas da arte contemporânea?
Sim. Por exemplo:
eu fiz uma palestra – eu faço muitas
palestras na América – onde o público perguntou
sobre como encontrar aulas de arte tradicional chinesa e por que
faço arte contemporânea. Eu me considero avant
guarde. Eu respondo que é uma escolha.
Eu estava no interior
quando minha geração começou
e os americanos estavam em escolas de arte, falando e discutindo
sobre arte contemporânea.
Eles aprenderam entre eles. Nós
aprendemos com Mao Tse-Tung.
As idéias de Mao eram muito mais avant
guarde que
as dos garotos. Isso faz com que nós, que viemos da China,
tenhamos um contexto realmente diferente e especial.
Você precisou
fazer certas rupturas dentro de você,
de sua cultura.
Você está certo. São
tantas camadas de cultura com que lidar ao mesmo tempo e o espaço
para o desenvolvimento do pensar é realmente grande.
Porque
nós conhecemos a cultura ocidental, mas o ocidente
não pode falar que nos conhece.
Artistas americanos conhecem
sua própria cultura e trabalham
dentro do sistema deles. Nós também, mas conhecemos
outro sistema. Nós realmente misturamos. Acho que não
seguimos caminhos formais. Assim, você pode dizer que o artista
chinês contemporâneo cria trabalhos especiais.
E outra
razão importante é que os grandes mestres
da arte moderna e contemporânea são mestres zens.
Eles
realmente agradam. Mesmo John Cale, Beuys, mesmo Andy
Warhol, eles
realmente entendiam sobre zen. Não importa se eles aprenderam
zen budismo ou filosofia zen. A questão é que eles
tinham um cuidado especial com o lado zen.
Nesse ponto o povo chinês
pode dizer que entende mais sobre cultura zen. Ela é um estilo
de vida, constrói personalidade
e caráter mesmo que não seja aprendida em livros. Eu
acho que o estilo de vida chinês é realmente zen, e
artistas chineses sabem como usar isso na construção
dos seus trabalhos.
Vamos falar sobre seus procedimentos.
Qual o seu método
de trabalho quando surge uma idéia?
Eu faço
vários trabalhos usando a língua,
porque para mim ela é muito importante.
A língua
enquanto texto.
Isso. É realmente importante no meu
trabalho porque a língua
está sempre na base do meu conceito. Eu sempre brinco com
esse conceito.
Ela é básica para o ser humano e faz
parte de tudo, porque a atividade cultural está baseada no
idioma. Assim, se você toca no idioma, está tocando
as pessoas em suas vidas, em seus padrões.
As pessoas estão
atreladas aos idiomas porque é a
primeira coisa que aprendem. E se você muda algo na língua é um
verdadeiro choque.
Mao Tse-Tung iniciou a revolução
cultural primeiramente mudando a língua. Depois mudaram o
sistema oficial da escrita.
Foi uma forma de controle.
Eles destruíram
a cultura e o sistema para assim iniciar a revolução
cultural. Por exemplo: no trabalho chamado “English
write caligraphy” eu desenhei um tipo de escrita e caligrafia
que parece chinês, mas é inglês.
Chineses não
conseguem ler inglês, mesmo que o idioma
possa parecer familiar.
E para os ocidentais a caligrafia chinesa é muito
estranha e difícil, e no momento que tentam ler e escrever
o fazem na própria língua.
É tão
extraordinário que você tenha
pensado nisso, porque a caligrafia chinesa está vinculada
não a letras, mas a símbolos, e você usou formas
semelhantes para criar isso.
Isso. Eu falei dessa obra
para mostrar como o meu trabalho lida com conceitos. As pessoas
sempre têm uma idéia sobre
o idioma. O inglês é como se soletra. É escrito
em linhas. O chinês parece com criptografia. As palavras são
quadradas, parecem com pequenos desenhos. Mas para as pessoas lerem
minha caligrafia elas precisam de um novo conceito. Porque esses
dois não funcionam. É preciso construir um novo e esquecer
os outros dois.
Eu estou sempre interessado em trabalhar entre um
lado e outro.
O importante no seu trabalho é como ele
será lido,
uma vez que trabalha com a forma chinesa, mas sem que a escrita
seja chinesa. É essencial a construção da
frase e como ela será lida.
Isso. Talvez alguns
chineses fiquem irritados por mudar o chinês
para o inglês. Mas eles deveriam agradecer porque fiz isso.
Veja,
essa caligrafia parece com a chinesa, mas na verdade é inglês.
[Começa
a soletrar]
M A T T R - M Y W A Y
Eles lêem desse jeito. Isto é:
A T T E R.
São tipos de palavras básicas para qualquer
pessoa.
É preciso prestar atenção e mudar
o jeito que lemos as palavras para entendermos o que está escrito.
Mas isso é exatamente inglês.
É inglês
com cara de chinês.
Esses foram usados em banners no MoMa,
em Nova Iorque.
[Soletra]
A R T F O R P E O P L E.
E sobre a sua obra que está aqui?
Existe o tema da Bienal, sobre o retorno da liberdade. Como você integra
sua obra ao tema da Bienal?
Na verdade eu decidi usar essa
obra sem saber o assunto e título
da Bienal. Depois que li, percebi que se encaixava. Eu quis mostrar
essa obra na Bienal, em São Paulo, porque... bem, é internacional
a exposição, certo? E eu queria que o maior número
de pessoas visse essa obra. Minha idéia é que elas
atualmente precisam muito de trabalhos que as façam repensar
as questões básicas. Eu acho que essa obra realmente
toca, pega nesse momento.
Essa peça na verdade não fala
sobre o 11 de setembro.
Eu queria falar através dessa obra sobre o mundo material
entre o mundo espiritual. Esse é o tipo de pergunta: o que é poder?
Como as pessoas podem trabalhar juntas? Tipos diferentes de religião,
culturas, tipos diferentes de grupo de pessoas. Por isso que eu acho
essa obra hoje em dia é necessária.[Voltar]
Que pontos
você considera importantes para o entendimento
do seu trabalho?
Eu usei pó. Assoprei no ar e depois
o pó grudou nos
estencils que estavam no chão. Nós retiramos os estencils
e ficaram as imagens das letras.
As formas das letras que estão
no chão são
do século VII, de um poema budista. São duas sentenças
que dizem: “Nós não somos nada no inicio. Nós
somos pó e o pó em si”. Esses são trechos
do poema zen.
É uma idéia sobre o pó. Eu acho
que é um
pensamento bem chinês. Os chineses pensam que tudo veio do
pó e que volta para o pó.
Provavelmente o ocidental,
o cristão, tenha a mesma idéia.
Por que há palavras
cortadas nas sentenças? Porque
assim elas viram nada – e têm tanto poder quando estão
estruturadas.
Eu realmente falo da estrutura e parto da matéria.
O pó é um
elemento básico. Nunca muda novamente. Por isso que é importante.
Isto é verdadeiramente filosofia asiática.
[Voltar ao início][Versão para
impressão]
|