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Em entrevista ao ‘Estado', o curador Alfons Hug dá detalhes do evento, que começa em setembro MARIA HIRSZMAN O s contornos da próxima 26.ª Bienal de Artes de São Paulo estão praticamente definidos. A mostra, que será inaugurada em 25 de setembro, será marcada pelo desejo de valorizar a estética em detrimento de uma abordagem mais sociológica da arte que, segundo o curador Alfons Hug, tem marcado nos últimos tempos as mostras internacionais. Com uma forte presença da pintura nos segmentos internacionais e uma preocupação em dar espaço aos artistas brasileiros que nunca estiveram numa Bienal antes, a mostra promete ser ao mesmo tempo austera e audaciosa.
Apesar de não ter adiantado a lista completa dos artistas, os nomes antecipados por Hug em entrevista ao Estado indicam uma seleção jovem e com menos estrelas do que no passado. Talvez o grande nome de destaque do cenário internacional venha a ser o de Matthew Barney – autor da revolucionária série Cremaster , considerada uma das obras mais importantes no campo da vídeoarte e que está programada para entrar em circuito comercial em São Paulo no fim do ano, e acabou se notabilizando também por ser o marido da cantora Björk –, se se confirmarem as negociações para trazer o trator que o artista usou em sua intervenção no carnaval de Salvador, em parceria com Arto Lindsay.
“Ele recria o símbolo de Ogum e vai na contramão da comercialização do carnaval baiano, do axé, introduzindo um elemento mais sofisticado, profundo, da leitura do carnaval, lidando com a idéia da guerra, do demônio, da morte”, afirma Hug, que acaba de realizar uma exposição sobre o carnaval, ainda em cartaz no CCBB-RJ.
Muito provavelmente se confirme como o artista mais velho de toda a exposição o pernambucano Paulo Brusky, nascido em 1949 e um pioneiro da arte conceitual.
Ele é um dos três brasileiros do núcleo dos artistas convidados, junto com Beatriz Milhazes e Artur Barrio. Dos internacionais há o belga Luc Tuymans, o inglês David Batchelor, o alemão Albert Oehlen e os chineses Huang Yong Ping e Cai Guo Quiang. Os países também começam a indicar pouco a pouco o nome dos artistas que vão representá-los.
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o total, entre representações nacionais e convidados da curadoria, serão 140 artistas – contra 170 na edição passada, cuja curadoria também foi de Hug. O Brasil comparece com outros 18 artistas (seis de São Paulo, seis do Rio e seis do restante do País), que se integrarão ao conjunto da mostra, e um representante nacional. Dentre os nomes confirmados por Hug estão Karim Aïnouz; Thiago Bortolotto; Fabiano Marques; Caio Reisewitz; Paulo Climachauska; Laura Vinci; Angela Detanico e Rafael Lain; o grupo Chelpa Ferro (único a romper com o princípio de ineditismo); Lívia Flores; Rosana Palazyan; Cabelo e Walmor Correa. Este último é um dos poucos pintores brasileiros da mostra, cuja representação nacional está fortemente marcada pela presença da escultura e instalação – os pontos fortes de nossa produção, acredita o curador. Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Hug. Estado – A abertura da Bienal está se aproximando. A lista de artistas já está fechada? Alfons Hug – O erro que gente sempre faz aqui é lançar nomes antecipadamente. Será que agora o mercado de arte e não a curadoria é a fonte da informação? Nenhuma Bienal lança os nomes antecipadamente. Convida-se o artista e encomenda-se a obra, que às vezes não se realiza por vários motivos: técnicos, financeiros, de espaço. Você pode até chamar o artista e conversar. Mas se você anuncia o nome, é obrigado a chamá-lo. Estado – Qual é o eixo de sua curadoria? Você escolhe os artistas ou as obras? Hug – O que me interessa em primeiro lugar é reforçar a idéia da estética. Eu vejo, observo nas grandes exposições internacionais como Documenta e Veneza uma tendência de afastar-se de questões estéticas e se aproximar mais da sociologia. E acho isso não só desnecessário como um caminho equivocado. Temos de confiar na estética, nos valores estéticos e na linguagem que parte através da obra. Escolhemos então o tema do território vazio, da terra de ninguém, que dá vazão às questões estéticas, que é amplo o suficiente para incorporar uma grande variedade de posições que se discute hoje. No caso dos artistas brasileiros podemos discutir as obras, porque estamos em contato estreito. E como muitos artistas brasileiros fazem esculturas, instalações site specific, é obvio que tem de haver uma negociação e um diálogo constante. No caso dos pintores (poucos na lista são brasileiros, vem mais dos EUA e da Europa Central), a obra já existe. É um processo bastante complexo. De um lado tem obras autônomas prontas, que você escolhe em ateliê ou viu em alguma outra mostra. Do outro lado há obras que você desenvolve junto. A gente não é artista mas dialoga com ele até chegar a um resultado interessante. Estado – É um time marcado por obras bastante árduas, não? Parece que sua preocupação com a estética não é exatamente com a busca da beleza, principalmente no caso brasileiro... Hug – Haverá muita coisa bela na Bienal. Tem muita beleza, muita poesia, mas tem muita precariedade também. A arte brasileira é forte na escultura e instalação. Não sei se isso é muito diplomático quando digo isso, mas a pintura e o vídeo não chegam à altura da instalação e escultura. Outro aspecto interessante é o gosto por materiais usados. Muitas vezes madeira velha, madeira podre. Que aliás é a tradução de Ibirapuera em português. Valeria a pena refletir um pouco sobre por que o artista brasileiro adora esse material. Mas você vai ter no segmento internacional muita pintura, figurativa, abstrata, que pode ser reintroduzida uma questão de beleza. Tem muita beleza, muita poesia, mas muita precariedade também. Os caminhos da estética não são monodimensionais. |